«XÂNTIAS (depois de ter trancado a porta, sente que algo lhe cai em cima)
Ai de mim, desgraçado! De onde me caíu este torrão em cima?
BDELÍCLEON
Às tantas foi um rato que to atirou lá do alto.
XÂNTIAS
Um rato? Nada disso, caramba! É mas é um desses juízes, enfiado debaixo das telhas, um juíz de telhado.
BDELÍCLEON (olhando para o telhado)
Ai meu Deus, que azar o meu! Ali está o nosso homem armado em pardal. Vai levantar voo. Onde, onde raio está a rede? (Para Filócleon, como quem assusta um pássaro.) Xô, xô, toma lá outra, xô! C'um raio, melhor fora montar guarda a Escione do que aqui ao meu pai. (Filócleon é neutralizado e empurrado para dentro de casa.)
XÂNTIAS
Mas vá! Agora que prendemos de vez o nosso homem e que finalmente ele não arranja maneira de fugir, porque não tiramos só... só uma soneca?
BDELÍCLEON
Qual quê, esgraçado! Daqui a nada estão por aí a romper os amigos dele, os juízes, aos berros a chamar pelo meu pai.
XÂNTIAS
O que raio estás a dizer? Se só agora começa a amanhecer.
BDELÍCLEON
C'os diabos, tens razão! Hoje levantaram-se mais tarde. É que costumam aparecer a meio da noite, de lamparina na mão e a trautear umas modinhas delicodoces de Frínico para chamar por ele.
XÂNTIAS
Pois bem, se tiver que ser, enxotamo-los logo à pedrada.
BDELÍCLEON
Mas, ó meu patego, a raça deles é tal, que se se irrita um desses velhotes, comportmam-se como as vespas. E têm mesmo um aguilhão bem afiado que lhes sai pelo rabo, com que picam; dançam ao som dos seus zumbidos, e é vê-los atacar como raios.
XÂNTIAS
Não te preocupes. Enquanto tiver pedras à~mão, sou capaz de enxotar qualquer enxame de vespas.
[...]
CORO
Vamos! Toca a dar à perna por um bocadinho, todos nós, para ajudar à festa e para que estes possam rodopiar, à vontade,à nossa frente. (O coro divide-se em dois semi-coros. Um deles rodeia Filócleon e o outro os filhos de Cárcino. Ambos os grupos mostram as suas habilidades na dança.)
Vá, ilustres crias do Senhor dos Mares! Dançai na areia e na praia do mar não vindimado, ó irmãos dos camarões! Façam girar com rapidez os vossos pés, que cada ummande pontapés à moda de Frínico, de modo que os espectadores, ao verem a perna ir ao ar, soltem os seus "oh-op!" Toca a girar, dança em círculo e bate na barriga. Manda uma perna ao ar, perde-te em piruetas! (Entra uma figura vestida de caranguejo, representando o próprio Cárcino.) Aí está o vosso pai, o senhor absoluto das marés em pessoa, todo inchado pelos filhos que tem, os três dançarinos.
E agora, se vos agrada, deixai-nos sair a dançar, e depressa! É que nunca antes alguém se atreveu a semelhante proeza: terminar com danças um coro de comédia.
A dança prolonga-se durante alguns segundos. Saem todos.»
As Vespas, Aristófanes, apresentada ao público pela primeira vez em 422 a.C.
tradução do Grego de Carlos Martins Jesus
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