sexta-feira, 1 de maio de 2009

sorrisos, lágrimas e capas negras


Viver Coimbra é quase como escrever um poema, lentamente, ao ritmo das águas calmas do Mondego. Chegado Maio, parecem revoltas as águas do rio e os estudantes-morcego saem à noite para ver a Serenata Monumental, a abertura solene das grandes festividades estudantis e, acima de tudo, um momento repetido anualmente que sabe sempre a alguma coisa de novo e especial, como um doce-amargo que nos fica na boca.

Ser estudante de Coimbra não se define irredutivelmente como um dia o fez o comentador-por-excelência, Miguel SousaTavares. Disse qualquer coisa parecida com o estudante de Coimbra ser um mero bêbado que se interessa somente pelas festas “de arromba” que por aqui se fazem, pondo de parte o estudo. Terá tido o senhor MST o privilégio de estudar em Coimbra? Aposto que se terá esquecido de que, durante o semestre, passamos o tempo nos bancos desconfortáveis da faculdade, “queimamos as pestanas” sob a luz fosca dos candeeiros da Biblioteca Geral, carregamos as pastas negras atulhadas de apontamentos importantíssimos, derretemos dinheiro em fotocópias e em canetas fluorescentes que deslizam sobre palavras-chave, chegamos a casa cansados e preparamos as aulas do dia seguinte para tentar cair nas boas graças do professor. E ninguém é santo! Pelo menos que eu conheça… Fazemos gazeta, sim senhor. Às vezes apetece-nos ficar na cama porque abusámos na noite anterior, outras vezes apenas porque precisamos de estudar um pouco mais para outra coisa qualquer. Somos molengões e preguiçosos, adormecemos nas aulas e fazemos cábulas, quando não tiramos apontamentos somos uns cravas, estamos sempre prontos para convívios e mais um copo que venha. Odiamos a “cabra” e, no entanto, não conseguimos tirar os olhos dela, sempre lenta durante as aulas, tão veloz em dias de festa! Enquanto Maio vai chegando nos calendários, arejam-se capas, limpam-se os sapatos, compram-se cartolas e bengalas, os caloiros anseiam por vestir o traje pela primeira vez e é na serenata que desabrocham, quais tulipas negras.

Este ano tive o privilégio de assistir à Serenata Monumental de uma localização privilegiada. Eu, que sou pequenina, vi tudo de cima e os estudantes pareciam um amontoado de minúsculas pintas pretas que iam formando um manto negro que cobria toda a Sé Velha. Olhava aquele mar de gente com uma vontade enorme de saltar pela janela como se pudesse sobrevoá-los. Pela casa fazia-se sangria, dispunham-se as entradas para o jantar, punha-se música, bebia-se vodka ucraniana, houve quem fosse fazer a barba… Comeu-se muito, bebeu-se mais ainda. À meia-noite em ponto estávamos à janela para ver traçar as capas e ouvir o choro da guitarra. Percebi as tuas lágrimas quando te enrolaste na tua capa e deixei-me estar quieta a ouvir a balada da despedida, saboreando aquele momento agri-doce que dá vontade de guardar para sempre. E mais do que as nossas tolices, mais do que a cerveja e o vinho, são os vossos sorrisos que aquecem, as palavras meigas embargadas pelo álcool e pela comoção, são as capas negras que esvoaçam e se rasgam em sinal de amizade, são os abraços trocados e os brindes a futuros auspiciosos que fazem tudo isto valer a pena. Noites que recordaremos quando formos muito velhinhos, teremos saudade, cobriremos o nosso corpo vergado com a velha capa negra pensando em como deveríamos ter abusado um pouquinho mais.

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