A cada passo que piso, sem siso, é espaço obscuro, cabeça de Medusa, apertos de mãos sujas e tantos nojos de nadas. São as pilecas, as pelicas, os salamaleques e os truques, as saladas e as tricas. Altas patentes periclitantes, promessas de saco-roto, vontades de querer frouxo, animosidade de espírito coxo, antiguidade a cheirar a mofo, autoridade de mau gosto. O respeito, o despeito, a dignidade, o deboche, a postura e o que é importante, o que é impotente e o que desmente, o demente e o fantoche. A fatiota deprimente, o mau âmago, claramente, e o sorriso que é postiço, dente a dente. E a gente? Que vai ser da gente?
São tachos de machos frouxos e cambalachos de apropriadores do que é do outro. São truques, traques, rebites e remates, negócios mal-amanhados, futuros somente apalavrados, facilmente abafados, sem esforço apagados, ordenados forçados para filhos e enteados. E enquanto segue o corsel dos loucos, no cortejo dos parcos, os artistas de circo, já fartos, vão abandonando pelos cantos, as bicicletas obsoletas, que são parcas já suas piruetas para competir com piratas agiotas.
E ainda há os que lambem as botas, de língua comprida, afiada no espreitar de portas, no bufar de segredos, no saber usar os medos, na aplicação dos métodos retóricos certos, enquanto os outros rangem os dentes, suados de esperanças mentirosas, de pele rasgada pelos espinhos das vossas rosas, de cara fechada pelos amargos das vossas prosas. Trilhamos caminhos doentes, de olhos tão dormentes, das imagens da televisão, dos ataques no Irão, dos massacres que por aí vão, das mulheres que sofrem e sofrerão. E deixamos seguir o pagode, enquanto o gajo cofia o bigode, contando os milhões na conta, enquanto nós, cá em baixo, contamos moedas, espreitando para o continente que mal as porta, de parcas e poucas, de fracas e raras.
E quem nos acode? Quem nos acode? Se somos apáticos e patéticos, conformados e já esqueléticos, de sermos roubados sem cerimónia, de nos sorverem a substância e o ânimo, de nos sugarem a infância em anónimo. Somos autómatos desanimados, de ignorância revestidos, a displicência habituados, de estupidez formatados, de enchimento humano desprovidos, de sentimento de liberdade afastados, de vontade de mudança adormecidos, de visão clara tão gamados, Cegos, tão cegos, já.
E os das casacas viradas, amigos de nada, que não da moeda, não dão a face e riem, do cimo da escada, sem medo da queda. Enquanto houver quem os segure, de mão estendida, vazia de tudo, e os ampare com olho gordo em agradecimento chorudo, e os tenha sempre em mimo, com algum objectivo obscuro, não há quem s tire dali. Enquanto houver uma só escada, imunda e estragada, para mil mãos dispostas a tudo, enquanto se facilita a passagem à linhagem que quer um povo mudo, não há quem os tire dali. Enquanto se acalentarem ideias do tempo da velha senhora, e se fizerem coisas feias com a capa de tradição d'outrora, enquanto os sapatos abstractos, que engraxas sem vergonhas, te apeçonham as mãos, quietas no chão, de imobilidade medonha, ninguém de lá os tira!E nunca é demais nunca chega, nem adulação nem entrega, sem noção nem regra, despida de respeito próprio, apropriada do sujeito ignóbil, fecundação de fruto estéril.
Nós, os insurrectos, alienados inquietos, insubmissos sem complexos, queremos, antes de tudo, o fim dos salamaleques! Postos de parte pelos certos, portas fechadas pela certa, mortos de fome de poeta, temos na guelra o sangue da guerra, e somos a semente nova da terra, o umbigo da revolução. Não te queremos adular, não te estendemos a mão! Queremos valer pelo que somos, trilhar o caminho que escolhemos, fazer aquilo de que gostamos, dispostos a lutar pelo que queremos. Depois de nos secarem por dentro, ao brincar ao monopólio com o nosso talento, depois de nos usarem para vosso próprio sustento, entregando-nos à miséria e ao susto tanto, à baixa inveja de um novo banco, à decadência da prisão à banca, à insolvência da nossa identidade, ao rebaixamento dos padrões de qualidade, ao vil excremento da sociedade, ao desalento de toda uma idade. Exigimos, acima de tudo, respeito! Do fundo do peito, que se fine o compadrio, que morra de vez o tacho amigo, que corra daqui o facilitismo, que se acabe a eito com a ganância, que se tire o jeito à intolerância, que se volte à velha substância. Que nós temos vida e sonhos tantos, direito a eles e aos restantes, às princesas e aos infantes, ao que quisermos, nunca como dantes!