quinta-feira, 5 de março de 2015

Que farei com as horas que os outros não querem?




Se me encontro neste estado, já vai longa a madrugada. Faço contas e sai nada, que a vida anda tão baça! Cantam, lá fora, os abutres do meu tempo, que ao parecer surge andando lento; se for a ver, onde já era!Quanto mais marcam o passo, mais asco tenho a estes pássaros, que puxam para fora da noite a terrível manhã solitária. Querem todos dormir. Eu quero estar sempre vívida, de sono leve. Cansada de dormir ando eu, pela vida fora! E se quero vivê-la agora, não me vejo com tempo para grandes dormências - e até para isso é preciso paciência, que é valor que hoje tenho em falta.

Tragam já a manhã, mas façam-na passar depressa, que eu quero ver caras, fazer coisas! E nada há que me aconteça que não tenha o carimbo de moroso ou lengalento. Quero a velocidade do vento, que ao menos não é parada, vai andando sempre na estrada, ora mais veloz, ora mais vagarento. Não, não tenho dores! Nem nesta madrugada deixo que me atormentem o peito os banais tormentos da vida. Só tenho sono, um sono imenso, que no tálamo me transformará em pedra por mais de meio dia. E eu não quero. E se eu não quiser?

Esta é a angústia da minha Hora, uma luta teimosa entre mente e matéria fraca. Quer a psyché levar-me para além do conforto, além das chuvas, que o querer não tem pudores meteorológicos. Já os relógios, esses pesam sobre o querer como pedras atoneladas de contra-tempo, e quanto a isto, pouco podemos mais do que aceitar.

Nem os olhos, nem as mãos, cederam ainda ao peso das horas. Mas o silêncio, ah, o silêncio, que pesado que é dentro de mim! A dormência dos outros, quanto me aterroriza!! Tirá-los do sono é tão profano como tentar trazer à vida quem já a perdeu. Eu, hoje, não quero esse meio-compromisso de morte. Tenho aqui toda uma dose de vida a aproveitar! Que farei com as horas que os outros não querem? 

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