sábado, 24 de maio de 2014

Capicua por mote



Provo do vinho velho como da tristeza,
porque a chegar aos trinta ganha-se a aspereza
de amar quem nos despreza
de cuidar de tesouros pelos quais já ninguém se interessa
de prezar preciosismos que já ninguém pesa.
E enfureço, viro fera, quando me sinto assim presa,
quando por afecto tenho frieza
quando tenho tecto e mesa
mas almejo bem mais quando no meu peito pesa
uma vontade imensa de ser sabida,
sobretudo p'ra saber desprezar quem me despreza.
Viver na eterna surpresa
suprir o medo e ir além
daquilo que o sustento não sustenta
e ser, sobretudo, dona de mim mesma
é esta a minha cisma
olhar sempre p'ra cima
e reconhecer-me no alto: senhora sem salto,
dona de porte directo
que não faz o que é suposto só porque é correcto
que o coração continua a ser rei
nesta terra de tique-taques comedores
e atentai, senhores,
como o tenho exposto, aberto
ainda que o amor seja incerto,
ainda que o futuro encoberto não saiba
ainda o que me dar
sem salto melhor sei caminhar
não quero ser Orfeu no trilho a trilhar
mas é o que está para trás que me faz andar
em frente é a direcção
não saiba, embora, onde vou chegar
Procuro a verdade:
a minha, a tua,
a de ser isto, a do mundo ser assim
e irei por aqui
até a encontrar.

Sem comentários: