terça-feira, 29 de abril de 2014

Caminhar, caminhar...


Vejo a clausura iminente
na forma de um quadrado
e eu não posso ficar
nem deste, nem desse lado.

Vejo o chão, imundo, minguar:
antes vasto terreno sagrado.
E os meus pés a medrar, a medrar
no velho sapato fivelado.

Olho estas mãos a escrevinhar
em ritmo já cansado.
Quem dera vê-las parar
não tivesse eu já começado!

E se um dia quis encetar
este caminho acidentado
não faz sentido travar
o ritmo que tenho engatado
e não faz sentido ficar
parado, assim tão parado
se isto começou com amar
o sonho que hei sonhado
pois continuarei neste andar
nem que o passo seja quebrado
nem que a ferida seja profunda
e a fractura tão exposta!
Caminharei, caminharei:
é somente esta minha resposta.



domingo, 27 de abril de 2014

De um mestre ensandecido



Meus sonhos.
Minhas lívidas porcelanas,
precíosíssimas, pesadíssimas,
que a custo tenho trazido comigo.
Ai de mim!
Mas quebrou o mestre ensandecido!
Desajeitado, aos tropeções,
cego por qualquer maleita,
tomado por delírio que desconheço:
entrou por meu quarto
de relíquias adentro
e mas quebrou.
Que faço agora, mestre,
com estes cacos,
se nem as mãos estendes
para os apanhar?

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Dos cravos que desbotam


País de amanhãs medonhos
onde guardas os sonhos
que soías ter?
E egrégia força de luta
que te ensinaram- tristonhos-
teus avós, com mister?

Deixaste murchar os cravos
esquecidos em jarros
sem água
a morrer.
É urgente replantá-los
com as mãos que um dia 
recuperarão poder.

Sai prestes desse marasmo
que eu desespero e pasmo
com esta falta de querer.
Comamos nós quem nos come
mitiguemos a fome
mordendo quem nos quer comer.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Da pequenez


Nós, pobres de nós, cá em baixo.
E os deuses, no Olimpo,
fazendo e desfazendo fados
consoante seus divinos quereres e disposições,
seus áureos amores e desamores,
seus preciosíssimos apegos e ódios.

E nós, pobres de nós, cá em baixo,
sem saber comos nem porquês
das divinas decisões
acatamos.
Porque é assim
que as grandes causas funcionam.

Não é dado aos da terra a conhecer
o grande segredo,
mas sabem estes, de antemão, a quem pertence.
E de que nos serve a nós, 
pobres de nós, pobre pequenez,
uma pequena e pobre revolta
se ante a divindade o homem é tão
só pequeno.