Pudesse eu ter tido esse Mestre e saberia agora apreciar a efemeridade das rosas eternas que não colhes nos jardins de Adónis. Saberia devorar as horas plácidas com tranquilo ardor, qual Cronos comedor da sua prole, e nunca teria ficado doente dos olhos.
Eu também tive o meu Mestre. Foi ele quem me ensinou a usar os olhos-girassóis de menina, que miravam com nitidez e espanto, a cada tique-taque, o grandioso espectáculo do Mundo. E mais do que isto não viam, porque não era preciso. O meu Mestre nunca esteve doente dos olhos. Ele próprio tinha olhos-girassóis em vez de olhos de adulto, e era essa meninice singela, sobretudo, que o tornava tão especial. E dele herdei mil e um olhares, maneiras de ver distintas, pontos de vista despidos de qualquer metafísica, porque nenhum de nós sabia o que isso era. O mesmo olhar deslumbrado perante uma árvore de Natal, especialmente quando o presépio, mesmo por baixo, era obra nossa. De olhos postos no céu, víamos as chuvas de estrelas e os eclipses do sol e da lua, pensando nas estrelas como estrelas apenas, e no desaparecimento do sol e da lua como algo que teria de acontecer nesse dia porque sim. E esse doce conformismo manteve os meus olhos saudáveis. Com ele aprendi a olhar as flores e a sentir-lhes apenas o cheiro, saber-lhes a cor e a forma; aprendi o milagre de plantar na terra algo que, mais tarde, daria os seus frutos, sem mais pretensões que sentir-lhes o sumo e o sabor adocicado. Jogávamos dominó só pelo prazer de, juntos, partilharmos o calor da Primavera e o cheiro das acácias, sentados nas cadeiras brancas da varanda.
Viver assim era simples. Mais tarde, o meu Mestre ensinou-me o gosto pelo trabalho e o prazer do esmero e do esforço. Perdido o bibe sujo e acanhado, fazia comigo os deveres e eu tentava imitar a sua caligrafia recta, desenhada, perfeita. Mais tarde ainda, eu já de capa negra, provou-me que a palavra desistir não existia no dicionário que era só nosso. E quando os meus girassóis cruzavam os dele, notavam não um só esgar, mas toda uma expressão embevecida que não desaparecia nunca.
Hoje já não tenho o meu Mestre e sinto-me doente dos olhos. Já não sei o que é «o leve descanso/ de estar vivendo». Logo após a sua partida, os meus girassóis murcharam e, cega de realidade, procurei respostas nas ciências, na metafísica, na teologia, e nada me trouxe o antigo descanso de ser criança. Quando passo, no jardim, pelas violetas que nasciam para ti, arregalo bem os olhos para ver apenas a púrpura da sua pequenez e, em vez disso, perco-me em memórias, imagens dispersas, vozes desconjuntas. Porque não me ensinaste, Mestre, a atrocidade com que Cronos devora o nosso tempo e arrebata os minutos que tínhamos como filhos garantidos? Talvez nem tu soubesses disso vivendo, assim, sossegado e livre de qualquer remorso. Ensina-me, outra vez, a fitar o céu azul com a vista esbugalhada de um espanto-menino, que eu esqueci-me de como se faz…
Eu também tive o meu Mestre. Foi ele quem me ensinou a usar os olhos-girassóis de menina, que miravam com nitidez e espanto, a cada tique-taque, o grandioso espectáculo do Mundo. E mais do que isto não viam, porque não era preciso. O meu Mestre nunca esteve doente dos olhos. Ele próprio tinha olhos-girassóis em vez de olhos de adulto, e era essa meninice singela, sobretudo, que o tornava tão especial. E dele herdei mil e um olhares, maneiras de ver distintas, pontos de vista despidos de qualquer metafísica, porque nenhum de nós sabia o que isso era. O mesmo olhar deslumbrado perante uma árvore de Natal, especialmente quando o presépio, mesmo por baixo, era obra nossa. De olhos postos no céu, víamos as chuvas de estrelas e os eclipses do sol e da lua, pensando nas estrelas como estrelas apenas, e no desaparecimento do sol e da lua como algo que teria de acontecer nesse dia porque sim. E esse doce conformismo manteve os meus olhos saudáveis. Com ele aprendi a olhar as flores e a sentir-lhes apenas o cheiro, saber-lhes a cor e a forma; aprendi o milagre de plantar na terra algo que, mais tarde, daria os seus frutos, sem mais pretensões que sentir-lhes o sumo e o sabor adocicado. Jogávamos dominó só pelo prazer de, juntos, partilharmos o calor da Primavera e o cheiro das acácias, sentados nas cadeiras brancas da varanda.
Viver assim era simples. Mais tarde, o meu Mestre ensinou-me o gosto pelo trabalho e o prazer do esmero e do esforço. Perdido o bibe sujo e acanhado, fazia comigo os deveres e eu tentava imitar a sua caligrafia recta, desenhada, perfeita. Mais tarde ainda, eu já de capa negra, provou-me que a palavra desistir não existia no dicionário que era só nosso. E quando os meus girassóis cruzavam os dele, notavam não um só esgar, mas toda uma expressão embevecida que não desaparecia nunca.
Hoje já não tenho o meu Mestre e sinto-me doente dos olhos. Já não sei o que é «o leve descanso/ de estar vivendo». Logo após a sua partida, os meus girassóis murcharam e, cega de realidade, procurei respostas nas ciências, na metafísica, na teologia, e nada me trouxe o antigo descanso de ser criança. Quando passo, no jardim, pelas violetas que nasciam para ti, arregalo bem os olhos para ver apenas a púrpura da sua pequenez e, em vez disso, perco-me em memórias, imagens dispersas, vozes desconjuntas. Porque não me ensinaste, Mestre, a atrocidade com que Cronos devora o nosso tempo e arrebata os minutos que tínhamos como filhos garantidos? Talvez nem tu soubesses disso vivendo, assim, sossegado e livre de qualquer remorso. Ensina-me, outra vez, a fitar o céu azul com a vista esbugalhada de um espanto-menino, que eu esqueci-me de como se faz…
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