Considerações sobre a selecção nacional e o patriotismo camoniano
«Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são para mandados,
Mais que para mandar, os Portugueses.»
Os Lusíadas, canto X, est.152, vv.1-4
Dizia
hoje na tv, a propósito do jogo Portugal-Alemanha, o ilustríssimo
professor dos portugueses, querer a vitória lusa «para ver a cara da
senhora Merkl desfeita». Momento perdido no tempo, pausa para uma certa
perplexidade. A emissão de uma conclusão seria qualquer coisa assim: Ora
isto representa, de modo mais ou menos fiel, ainda que pareça ridículo,
o resumo de todas as preocupações do povo português em plena crise
económica. O encarar das dificuldades como uma disputa, o conseguir
adulterar a imagem de luta social e transpô-la para dentro de campo,
literalmente, esperando que seja um Ronaldo ou um Coentrão a salvar a
nossa honra. Que honra há em pelejar num campo manchado pelo sangue de
milhares de animais que pereceram à força de uma lei de emergência que
nem num país de terceiro mundo faria sentido? Que honra há ainda em
representar um país falido, usufruindo dos mais caros preparativos?
«...ver
a cara da senhora Merkl desfeita...» Que significa isto? Suponhamos que
a grandiosa equipa das quinas, vitoriosa depois deste jogo, causaria
algum despeito à chanceler alemã - ficaria ela com a cara desfeita? Na
boa vontade de supôr que sim, seria esta, para nós (?), mais do que uma
vitória real e efectiva, uma vitória moral pela concretização do
primitivo ideal de vitória sobre o poderoso e opressor? Não tendo
acontecido nada disto, vê-se derrotada a selecção portuguesa no seu
primeiro jogo do Euro 2012. Que quer dizer ‘vitória moral’?
Ah
Camões, no teu dia junino, os patriotas contentam-se com a aceitação da
derrota, com a subjugação à baixa e reles mediania. Os teus Argonautas,
corajosos conquistadores dos elementos terrestres são agora os piegas
que se alimentam dos insultos dos governantes que escolheram para os
afundar num spleen baudelairiano sem retorno. Souberam da manifestação?
Trinta mil soldados, debaixo de chuva e de austeridade, sem medo! E os
outros? Os seus companheiros? Foram ao café ver a bola e cuspir
sentenças por entre cascas de tremoço e arrotos com cheiro a cevada.
Deixam a crise para o final do mês, quando a cerveja e os tremoços
começarem, subitamente, a parecer mais caros. Queixam-se agora do
árbitro francês e das decisões de Paulo Bento. Queixar-se-ão das medidas
de austeridade quando já não houver futebol na tv, sagrado bode
expiatório de tantas frustrações. Ainda assim, protestarão sentados, no
conforto dos sofás já moldados aos glúteos preguiçosos, acabando por
despir o sobretudo da indignação em época de eleições, cuspindo na
democracia, moralmente derrotada.
Camões,
não cabendo em si de orgulho nacional (Ter-se-á perdido o conceito,
diluído no tempo?) mandou calar gregos e troianos, cuja fama e glória se
anulava perante nós(?). Homero, que pobre que é a tua rica Grécia!
Ainda vence no plano moral? Virgílio, que é dos valores da tua romana
península? Parece que os ventos da Fortuna não sopram mais no velho
continente e os heróis foram descontinuados. Ainda há quem os veja, ao
longe, encobertos, de calções e chuteiras. Mas vejam como comem da
divina ambrósia, olvidando pelejas e glórias! Reparem, filhos de Luso,
netos de Baco! «É a Hora!»
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