quinta-feira, 17 de março de 2011

After Dark - Os Passageiros da Noite


After Dark é o perfeito desenrolar de um novelo de histórias que se sucedem numa só noite. A inquietude e a solidão, a cidade que nunca dorme, a criminalidade, a sociedade japonesa, o crime organizado chinês, as relações sociais e os laços familiares, a música e o cinema, o sono, o sonho. Todos estes temas são abordados de modo ordenado e preciso, sucedendo-se e entrecortando-se, certos como ponteiros de relógio, tratados no momento oportuno da narração, alguns sobejamente desenvolvidos, outros apenas subtilmente sugeridos. Desta feita, Murakami aproxima o leitor da narrativa através de uma interessante adaptação de técnicas cinematográficas à descrição literária, permitindo-nos visualizar o cenário de um modo bem mais ‘real’ e palpável dentro daquilo que é o nosso próprio imaginário. Algumas páginas volvidas e torna-se impossível não reparar nos pequenos relógios desenhados no canto superior direito da página que inicia cada capítulo, indicando-nos a passagem do tempo com precisão.

«Five Points After Dark» como música de fundo. A descrição da paisagem urbana. Mari Asai encontra-se num café, fugida da pressão familiar que a tenra idade não suporta. É lá que se encontra com Takahashi, um músico de jazz que não resiste à tentação de abordar a jovem a propósito da sua bela irmã. É de Eri Asai que fala o músico, encantado, a irmã de Mari que havia anunciado aos pais, dois meses antes, que iria dormir por tempo indeterminado, mantendo-se num sono profundo até à data do relato. Logo depois, é-nos dada a perspectiva do quarto de Eri, todos os pormenores nos são fornecidos com uma extraordinária minúcia, mas é a televisão que subitamente se liga que nos prende a atenção: do lado de lá está o ‘homem sem rosto’, que a observa e vai entrando na realidade daquele quarto, de modo medonho. A nossa atenção volta-se de novo para Mari, cuja noite de evasão é interrompida por um outro percalço, chamada a intervir como tradutora numa situação que envolve um ‘hotel do amor’, propriedade de Kaoru, e uma situação de violência com uma prostituta chinesa. Outra badalada, outro cenário, outra situação: o escritório de Shirakawa, o trabalhador de colarinho branco, empenhado, reprimido, evacuado numa vida dupla. A noite segue o seu rumo e as histórias paralelas alternam-se de modo rigoroso e interessante ao ponto de se desejar mais. Os diálogos fluidos de Mari com o músico ou com a proprietária e empregadas do Hotel Alphaville conferem ritmo à obra quando intercalados com os momentos fortemente descritivos do sono aparentemente imperturbável de Eri e do percurso de Shirakawa. Ao fim da noite, todos os cenários se vão compondo, todas as personagens vão ganhando densidade, todas as histórias se vão enovelando, sem que o fio nunca quebre ou se perca, antes pelo contrário: todo e qualquer pormenor interessa, tudo converge para uma só madrugada.


http://www.youtube.com/watch?v=_BlHRPXPx-4

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